Saturday 10 November 2012

Recursos da ambiguidade


A função da ambiguidade é sugerir significados diversos para uma mesma mensagem. É uma figura de palavra e de construção. E há recursos que possibilitam o enriquecimento de seu uso em determinados contextos, ou que poderá levá-lo a ser visto como um vício de linguagem, decorrente muitas vezes, da má colocação das palavras dentro da frase.

Assim como mostra, por exemplo, a matéria da Uol sobre ambiguidade sendo utilizada como recurso estilístico:

“A ambiguidade, contudo, nem sempre é um erro de expressão ou um vício de linguagem. Em literatura, o texto pode ser polissêmico, ou seja, apresentar multiplicidade de sentidos. 

O professor Berthold Zilly, tradutor de Machado de Assis na Alemanha, cita, em uma entrevista, exatamente essa qualidade do texto machadiano: “Ele [Machado de Assis] é notório pelas suas expressões e frases ambíguas. Há pouco, por exemplo, estive refletindo sobre uma frase do livro [Memorial de Aires]. O narrador diz: ‘Já tenho embarcado e desembarcado muitas vezes, devia estar gasto. Pois não estou’. O que ele quer dizer com ‘gasto’? Acostumado, cansado, insensível – acho que é por aí. Mas não é o sentido normal da palavra, não é o convencional. E ele reiteradamente usa palavras fora do seu sentido convencional. Praticamente a cada duas frases há uma dificuldade semelhante. Não se sabe também 100% o que ele quer dizer, há várias interpretações.”


O que nos mostra também que é necessário haver por parte do leitor, conhecimento de mundo, capacitando-o para compreender o significado (ou o mais próximo disso) que o autor quis expressar através de seus argumentos. O conhecimento prévio facilita o entendimento do leitor sobre o assunto em pauta, fazendo-o compreender a linha de raciocínio do autor, rompendo a ambiguidade presente.

A ironia também é um dos recursos utilizados na ambiguidade, já que toda ironia torna-se ambígua por ser carregado de uma duplicidade de sentidos (o que não quer dizer que toda ambiguidade seja irônica).

De acordo com o dicionário, ironia significa:
1.Expressão ou gesto que dá a entender, em determinado contexto, o contrário ou algo diferente do que significa.
2. Atitude de quem usa expressões ou gestos irônicos.
3.Sarcasmo.
4.Acontecimento ou resultado totalmente diferente do que eram as expectativas.


Ou seja, a ironia é um instrumento que utilizamos para dizer o contrário daquilo que se pensa, muitas vezes para zombar de alguém ou de alguma coisa, visando sempre uma reação do outro. Ela é um recurso estilístico muito utilizado em gêneros como a piada e a charge, e também podemos percebê-la na publicidade.

E hoje em dia, com o avanço da tecnologia, podemos encontrar muitas tirinhas e charges contendo ambiguidades irônicas circulando em redes sociais que fazem parte do dia-a-dia de muitos jovens.
Observe exemplos retirados de uma das redes sociais, o Facebook:








Novamente é necessário que haja um conhecimento prévio por parte do leitor, para que ele possa suprir a expectativa imposta a ele.
Quando se trata de charges (que retratam algo presente em determinado contexto cultural, econômico e social), por exemplo, para que o leitor compreenda o que está querendo ser passado, seja de forma humorística ou crítica, é preciso que ele esteja ciente do tema que está sendo abordado.

Observe a charge a seguir:




É preciso que haja por parte do leitor um conhecimento prévio sobre assuntos relacionados ao governo brasileiro (notícias que evidenciaram vários desvios de dinheiro público), e sobre a palavra “poupança”, que possui uma duplicidade de sentidos.

Segundo o dicionário, poupança significa:
poupança pou.pan.ça sf (de poupar) 1 Ação ou efeito de poupar ou de economizar. 2 fam Economia exagerada; sovinice.

Mas há outro significado, que até mesmo pesquisando em dicionários informais, pude encontrá-lo: 
2. Poupança Bunda. Termo educado muito usado pelos Trapalhões na década de 80, para não falar bunda ao vivo.
Ontem eu caí e agora estou com uma dor na poupança.

Poupança
sf.
1. Ação de poupar dinheiro.
2. Gasto moderado.
3. Característica de quem não gosta de gastar; SOVINICE.
4. Econ. Parte da renda individual ou nacional que não é gasta em consumo.
5. Bras. Caderneta de poupança: Foi ao banco e abriu uma poupança.
6. Inf. Pop. Nádegas: "Vai entrar na dança, vai usar a poupança..." (Gabriel o Pensador, Nádegas a declarar)



Bem, outro recurso que pode ser ambíguo, é o sarcasmo.
De acordo o dicionário, sarcasmo significa:

1 Ironia ou zombaria mordaz e cruel. 2 Figura de retórica, que consiste em empregar esta espécie de escárnio para afrontar ou ofender pessoas ou coisas.


Como pôde perceber, ele está intimamente ligado à ironia, diferenciando-se apenas por ser mais “ácido”, quase cruel. O sarcasmo é sempre mais picante e provocador, enquanto a ironia é uma simples contradição voluntária, com intuito menos áspero e feroz.
A origem da palavra está ligada ao fato de muitas vezes mordermos os lábios quando alguém se dirige a nós com um sarcasmo mordaz.
Assim como a ironia, podemos encontrá-lo na forma humorística, ligado ao humor negro que possui temas mais macabros e preconceituosos.
Observe os exemplos a seguir:





Um ateu no bosque
Um ateu estava passeando em um bosque, admirando tudo o que aquele "acidente da evolução" havia criado. - Mas que árvores majestosas! Que poderosos rios! Que belos animais! Lá ia ele dizendo consigo próprio. À medida que caminhava ao longo do rio, ouviu um ruído nos arbustos atrás de si. Ele virou-se para olhar para trás. Foi então que viu um corpulento urso-pardo caminhando na sua direção. Ele disparou a correr o mais rápido que podia. Olhou, por cima do ombro, e reparou que o urso estava demasiado próximo. Ele aumentou mais a velocidade. Era tanto o seu medo que lágrimas lhe vieram aos olhos. Olhou, de novo, por cima do ombro, e, desta vez, o urso estava mais perto ainda. O seu coração batia freneticamente. Tentou imprimir maior velocidade. Foi, então, que tropeçou e caiu desamparado. Rolou no chão rapidamente e tentou levantar-se. Só que o urso já estava em cima dele, procurando pegá-lo com a sua forte pata esquerda e, com a outra pata, tentando agredí-lo ferozmente. Nesse preciso momento, o ateu clamou: - Oh meu Deus!.... O tempo parou. O urso ficou sem reação O bosque mergulhou em silêncio. Até o rio parou de correr.
À medida que uma luz clara brilhava, uma voz vinda do céu dizia: - Tu negaste a minha existência durante todos estes anos, ensinaste a outros que eu não existia, e reduziste a criação a um acidente cósmico. Esperas que eu te ajude a sair desse apuro? Devo eu esperar que tenhas fé em mim? O ateu olhou diretamente para a luz e disse: - Seria hipocrisia da minha parte pedir que, de repente, me passes a tratar como um cristão, mas, talvez, possas tornar o urso um cristão?! - Muito bem - disse a voz. A luz foi embora. O rio voltou a correr. E os sons da floresta voltaram. E, então, o urso recolheu as patas, fez uma pausa, abaixou a cabeça e falou: - Senhor, agradeço profundamente, por este alimento que me deste e que agora vou comer. Amém.



Ceguinho e o Maneta
O ceguinho e o maneta eram mendigos. Ficavam nas escadarias da igreja pedindo esmola. Os dois não se bicavam pois eram rivais na disputa pela caridade. Um dia, sai uma mulher muito boazuda, muito gostosona da igreja. O maneta resolve tirar uma da cara do ceguinho: - Minha nossa! Tá saindo uma mulher tão boazuda da igreja, que só "vendo"! Tem umas pernas, umas coxas, que pela madrugada! E o ceguinho não deixa pra menos:
- Passa a mão nela, passa!
Dinho chegando no céu
O Dinho chegou no céu e encontrou o Senna com o disco dos Mamonas. Aí o Senna viu ele e pediu: - O Dinho, me dá um autógrafo no disco? Ele respondeu: - Ah, não. Tô sem cabeça pra isso!


A ironia e o sarcasmo estão presentes na ambiguidade, e são muito utilizados como recursos estilísticos. Podemos percebê-los principalmente na literatura, como fonte de enriquecimento ao trabalho elaborado pelo autor.

Mas não são recursos que vemos sendo utilizados apenas em obras literárias, na publicidade, ou na área humorística e crítica. Elas estão presentes no nosso dia-a-dia, em conversas simples com os próprios pais. Afinal, quem aqui nunca ouviu um “Bonito, não?!”, de sua própria mãe ao “aprontar” alguma coisa?
Com certeza não foi realmente um elogio, ela estava sendo irônica.
E em algum momento, nos deparamos com alguém sarcástico, e até “soltamos” algumas frases ambíguas.


Bibliografia 

3 comments:

  1. Confesso que tenho uma certa vontade de mais pra frente me formar em tradução e interprete, e por isso, quando eu li essa reportagem sobre a dificuldade que Berthold Zilly teve em traduzir uma das obras de Machado de Assis, eu fiquei bem interessada! Se já é um pouco complicado para nós entendermos algumas de suas expressões tão facilmente, imagina para quem não é daqui e não está acostumado com isso!

    Ah, e pra mim, inicialmente, foi um pouco complicado escrever sobre a ironia presente na ambiguidade. Estranhamente eu não fazia uma conexão entre esses dois recursos, mas agora as coisas já estão mais claras para mim.
    Gostei de ficar com essa parte e pesquisar conteúdos que envolviam o sarcasmo e a ironia.
    Mas confesso que foi difícil achar material com coisas com menos besteiras! Haha.

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  2. E, ah! O Facebook anda tão "recheado" de ambiguidades, ironias e humor negro! Acho muito interessante mostrar isso para os alunos, pois faz parte do "mundo" deles.

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  3. Excelente texto, me ajudou muito a compreender as relações irônicas e ambíguas.

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